terça-feira, 14 de novembro de 2017

Retratos (18)


Há pessoas e coisas que, com o tempo, perdem a sua carga evocativa e se desvalorizam. Outras que se robustecem por força das comparações que vamos fazendo, verificando o quanto lhes são inferiores as que, depois, viemos a conhecer. Casos em que até passam a ser o modelo da exemplaridade de uma função determinada, para nós.
Ao longo da minha vida, assisti a vários leilões, sobretudo de livros, e com maior intensidade entre 1976 e o dobrar do século. Hoje, são residuais as minhas presenças nestes acontecimentos mundanos.
Se o espaço onde decorre um leilão é importante, a qualidade do leiloeiro (pregoeiro) é fundamental. A voz, bem timbrada e clara, é um requisito imprescindível, antes de mais. Mas também uma grande capacidade de atenção que permita, ao leiloeiro, atender ao mais leve sinal de lance, que algum cliente, por mais tímido ou discreto, faça. E discernir, na quase simultaneidade eventual de lances, qual terá sido o primeiro a fazê-lo. Finalmente, a autoridade e presença para dirimir conflitos suscitados entre licitadores agressivos.
De tudo isto era possuidor, na mais alta craveira, o sr. David Pedro, que deixei de ver, há muito, nos leilões que se faziam em Lisboa. Embora baixo de altura, tinha autoridade com elegância, voz claríssima e bem articulada, e uma urbanidade a toda a prova, mesmo em situações muito conflituosas. Um exemplo perfeito pelo seu profissionalismo. Único, tanto quanto me lembro. Além disso, tinha uma boa memória: raramente se esquecia do nome de um cliente habitual nos leilões a que presidia.

2 comentários:

  1. Gostei muito desta descrição. E evocar alguém
    que se aprecie é um bonito acto de delicadeza.
    Boa noite.

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    1. Obrigado, Maria Franco.
      Estas figuras, que a História naturalmente omite, valem, muitas vezes, a pena de serem lembradas...
      Uma boa noite, também.

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